Em tempos de pandemia, preocupação com o futuro acompanha tensão pela sobrevivência imeadiata

Uma das coisas ruins do momento em que vivemos é que somos obrigados a abrir mão de nossas atividades cotidianas e ainda fazê-lo pensando num único assunto, esse coronavírus, que se impõe, onipresente, enquanto cuidamos da casa e lavamos as mãos.

(Texto para tentar começar a organização uma reflexão provocada por uma amiga querida, desde Piracicaba, sobre o momento que estamos vivendo).

“O destino de uma nação”, (2017). Direção de Joe Wright, estrelando Gary Oldman como Sir Winston Churchill

Em tempos de COVID-19, tive o privilégio de entrar em quarentena e mergulhar nos filmes, nos livros e nas séries. Assisti novamente “O destino de uma nação”, magistral filme que em 2017 deu a Gary Oldman um merecido Oscar por sua interpretação de Winston Churchill, primeiro-ministro inglês que forçou o Império Britânico a lutar, sozinho, uma guerra sem chances de vitória contra o Reich nazista ao longo de 1940.

O filme certo na hora certa, para mim. Afinal, a última vez que uma coisa tão grande assim aconteceu na vida das pessoas foi, sem dúvida, só na II Guerra Mundial. Isso quem diz nem sou eu, mas uma das figuras que eu mais imagino ter legitimidade para fazer essa comparação, a Chanceler alemã, Angela Merkel. (Diga-se de passagem, cada vez mais consolidada como a representante maior da facção adulta dos líderes mundiais).

Como provavelmente se imaginava também naquela época, agora e aqui a sobrevivênvia cotidiana não é a única preocupação na cabeça das pessoas, embora seja a mais urgente. Aqui e lá, fazemos a pergunta: que mundo é esse que vai vingar depois que a pandemia for embora?

Certezas são poucas, por enquanto. Primeiro, a de que o mundo vai mudar. Segundo, a de que o futuro vai ser radicalmente diferente a depender do que fizermos do presente. Terceiro, a de que nossas escolhas no presente não necessariamente vão garantir um determinado futuro. Quarto, a de que a disputa política sobre a condução do futuro já começou, aqui, no presente.

“O homem do castelo alto”, série produzida por Ridley Scott, disponível no Amazon Prime Video, baseado baseada no romance homônimo de 1962 de Philip K. Dick.

Outra série que comecei a assistir foi “O Homem do Castelo Alto” (“The man in the high castle”). O argumento da narrativa é simples, brutal, curioso e tétrico: os nazistas teriam vencido a 2a Guerra Mundial. Com a vitória de Hitler, o Eixo teria dominado a Europa e ocupado os Estados Unidos em parceria com o Império do Japão (a bomba atômica fora lançada em Washington!). Ao embarcar na premissa da série, o público aceita o convite de imaginar um mundo em que as vitórias na Normandia e em Stalingrado eram, elas sim, obra da ficção; que Churchill, Roosevelt e Stalin haviam sido derrotados pelo exército alemão e Adolf Hitler ganhava o direito de envelhecer governando o mundo.

Só essas imagens, sozinhas, já me fizeram perder o fôlego, mas a mensagem mais forte e provocante a ser extraída da série não é bem essa. A história das guerras e das doenças não se vê na menor obrigação de acabar em final feliz: é a ação humana de pessoas que chamam para si a responsabilidade de agir de maneira extraordinária, tomando as rédeas da história, que escreve o futuro.

Lá, como aqui, foi impossível entender que mundo sairia da guerra sem entender, antes, que lado venceria e em que condições vitórias e derrotas seriam distribuídas. Importa, e muito, portanto, a escolha do jovem estudante que resolveu ficar em casa em vez de encontrar os amigos no bar. A escolha da advogada que decidiu seguir remunerando a diarista, mesmo pedindo para que ela não viajasse até sua casa para trabalhar. A escolha de um Presidente que resolveu encarar a verdade e salvar o maior número possível de vidas, ainda que isso custe sua popularidade e sua eleição.

Acho, sinceramente, ou talvez só espere, mas com algum fundamento, que nem de longe o momento que vivemos hoje será de tanta agonia como o retratado em “O destino de uma nação” e “O homem do castelo alto”. Os remédios virão, e logo, e as vacinas virão, em tempo recorde. As pessoas ficarão em casa, o contágio vai murchar, o ar vai voltar e, mais cedo do que tarde, embora não o suficiente, todos os sonhos e abraços poderão ser de novo colocados em prática. Nem por isso, porém, o espírito daqueles tempos deve deixar de nos inspirar, aqui e sempre, nos tempos de pandemia ou bonança.

“Let us therefore brace ourselves to our duties, and so bear ourselves, that if the British Empire and its Commonwealth last for a thousand years, men will still say, ‘This was their finest hour.’” Na hora mais sombria da luta solitária dos britânicos, dias após a própria França assinar sua rendição a Hitler, Churchill vai novamente ao Parlamento e mobiliza a língua inglesa em um histórico discurso de inspiração e união do povo no enfrentamento das dificuldades que se aproximavam. Concentremo-nos, portanto, nas nossas obrigações, e seguremos a barra, de modo que, se o Brasil e o mundo durarem mais 1 mil anos, as pessoas ainda digam que este foi nosso momento mais brilhante.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: