Sede de federalismo

Texto originalmente publicado em 07/01/17

Quem é paulista sabe que o povo nordestino simboliza o que o Brasil tem de melhor. Um jornalista do começo do século XX, que cobria a Guerra de Canudos a serviço d’O Estado de S. Paulo, conseguiu pôr em palavras esse sentimento: “o sertanejo é, antes de tudo, um forte.”

Um forte. Foi a única expressão que deu conta de explicar o sofrimento cotidiano, o poder narrativo, a riqueza de fatores humanos que marcaram a experiência da Guerra de Canudos. Em que pese o determinismo da obra, que era hegemônico à época em que foi escrita, Euclides da Cunha retratou n“Os Sertões” a luta desses brasileiros e brasileiras, naquilo que acabou se tornando obra de leitura obrigatória para quem quiser entender, não o Nordeste, não o Brasil, mas a América Latina.

O sertanejo. Décadas mais tarde, lá em 1980, o escritor peruano Mario Vargas Llosa, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 2010, retomaria o Nordeste brasileiro para colocá-lo em definitivo no cânone da literatura ocidental. “A Guerra do Fim do Mundo” é um romance de ficção, favoritado pelo próprio autor como sua melhor história. Como os livros de Euclides e Vargas Llosa, o “Vidas Secas” de Graciliano Ramos e “A Bagaceira” de José Américo do Almeida ilustram para o resto do Brasil e para o resto do mundo a tragédia da seca no Nordeste.

Pois no 2016 que acabamos de encerrar, mais de cem anos depois “Do Quinze” narrado no romance de Rachel de Queiroz, ela atacou novamente, a seca, como não atacava há décadas. E aqui em São Paulo o sentimento foi de solidariedade.

“Seja por uma questão de seriedade, seja por patriotismo, seja até por conveniência, São Paulo jamais virará as costas para o Brasil.” Foi assim que um emocionado Governador de São Paulo, Mario Covas, em seu segundo discurso de posse no cargo, definiu o pensamento político paulista sobre o seu país. Em um outro discurso de posse, anos mais tarde, um outro governador, seu então vice, Geraldo Alckmin, foi mais longe. Paulistas, não: brasileiros e brasileiras de São Paulo. E foi pelas mãos de Geraldo Alckmin que a pregação virou ação. Diante da seca que arrasa o pessoal lá de cima do mapa, o Governador de São Paulo colocou à disposição dos estados irmãos as bombas d’água e os técnicos da Sabesp.

Para além dos Sertões, a força nordestina passa pelo agreste, pelo meio-norte, pela sua zona da mata, pelo seu litoral. Mas passa também pela infinita poesia concreta das nossas esquinas, aquelas de que o baiano Caetano fala. Nos comércios, nas fábricas, nas plantações, nas universidades, nas ruas e nos tijolos baianos, a grandeza de São Paulo está indissociavelmente marcada de sotaque nordestino.

O termo de empréstimo a Pernambuco e Paraíba assinado no Palácio dos Bandeirantes inclui, sem custos, bombas, motoroes, disjuntores, tubulações, apoio especializado para operação. Mas, a bem da verdade, ele representa algo além da técnica: um sentimento de irmandade, de admiração histórica, de São Paulo para o Nordeste.

“Pelo Brasil, façam-se as coisas grandes” é a inscrição no brasão de armas do Estado de São Paulo. Afinal, estamos em regiões diferentes, mas aqui também tivemos seca, também temos miséria, também temos praia e – graças a Deus – temos nordestinos paulistas.

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