Política e Aids no Brasil

Texto originalmente publicado em 12 de dezembro de 2018

Dezembro é um mês útil para entendermos que, quando o Brasil se leva a sério, damos exemplo para o mundo inteiro. É útil para entendermos — e fazermos nossos representantes entenderem — que a mudança que pedimos nas urnas é necessariamente para melhor, o que significa necessariamente manter aquilo que já conseguimos conquistar como povo, em tempos passados, e avançar cada vez mais.

O mês de dezembro é o mês internacional de conscientização para o combate e prevenção da AIDS. Eis uma pauta muito mais importante para o debate público do que a tradicionalíssima e burra entre esquerda e direita que tomou conta da vida nacional.

Mas por que eu digo que o Brasil tem muito do que se orgulhar? É que graças à boa política, que há anos uniu governos, sociedade civil e universidade, que o nosso bom e velho Sistema Único de Saúde (sim, aquele SUS que gostamos de criticar, com razão, por estar ainda muito longe do que precisamos e merecemos) desde meados da década de 1990 oferece gratuitamente o melhor tratamento para a doença no mundo!

Essa história não foi fácil de ser construída, e não foram poucos os interesses que o Ministério da Saúde teve que enfrentar, desde a década de 1990, para viabilizar a distribuição gratuita na rede pública dos tratamento antiretroviral. A saga de sucesso internacional remonta à década de 1990, quando o governo brasileiro teve a coragem de colocar a prevenção e o tratamento da AIDS como prioridade da sua agenda política, postura que ia de encontro a muitos dos tabus religiosos da época (quem não lembra da infâme manchete sobre o “CÂNCER GAY” no Jornal do Brasil de 1983?)

Em meados da década de 1990, o então Ministro da Saúde, José Serra, comprou uma briga acirrada com a indústria farmacêutica, ao ameaçar quebrar a patente dos primeiros medicamentos antiretrovirais. A atitude, que na época foi considerada radical, não demorou a ser elogiada na Assembleia Geral da ONU e até pela Organização Mundial do Comércio, colocando o Brasil em uma posição até então inédita de protagonismo e liderança mundial em matéria de saúde pública.

Como você deve imaginar, falar sobre o vírus HIV sempre foi um tabu. Já não deveria mais ser assim, porém. Afinal, desde a década de 1980, cerca de 40 milhões de pessoas já morreram por causa do HIV no mundo todo!

Para a nossa geração, a meta da ONU é pôr fim à epidemia da Aids. Na hora de falar de saúde pública, não pode ter demagogia: quanto mais discriminação e ignorância cultivarmos, mais exposta a infecções a população fica. O preconceito, a crendice e a ignorância com que muitos ainda falam sobre a Aids é hoje o talvez o maior inimigo da prevenção, coisa que beneficiaria a todos.

Como povo, queremos seguir o exemplo de algumas ditaduras africanas, que trocaram a ciência pelo fanatismo religioso e hoje colhem resultados desastrosos? Para vencermos a guerra contra o HIV, não tem outro jeito disponibilizar o tratamento para o HIV a todos precisam.

É aí que entra a famosa meta 90-90-90 das Nações Unidas. A da UNAIDS é garantir que até 2020, 90% de toda a população mundial com o HIV tenha conheciento da sua situação sorológica. Depois, 90% desses 90% que conhecem sua situação precisam ter acesso à terapia antiretroviral de maneira contínua. E, finalmente, desses 90% com acesso ao tratamento, 90% consiga suprimir o vírus da sua vida, tornando-o indetectável e instransmissível.

É bom frisar: hoje em dia, já há muita gente que vive o vírus HIV, mas que não o tem mais de maneira detectável em seu corpo, tornando-o intransmissível. Há, portanto, pessoas com o HIV que não correm o risco de transmiti-lo para ninguém. No Brasil, 92% das pessoas em tratamento já atingiram esse estado de estarem indetectáveis. O avançado do Brasil nas metas internacionais de combate e prevenção à AIDS só fazem reafirmar a importância e o caráter visionário da briga política que foi comprada na segunda metade da década de 1990.

Além disso, hoje, no campo da prevenção, o SUS coloca a disposição da população as estratégias e tecnologias mais avançadas para a prevenção a infecção pelo vírus, como a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) e a Profilaxia Pós Exposição (PEP).

As campanhas de conscientização e informação são armas fundamentais nessa política e não podem sofrer nenhum retrocesso, ainda mais se for baseado em superstição ou ideologia. É preciso ampliar os diagnósticos precoces, que são feitos em exames rápidos, seguros e confidenciais.

O Brasil, quando se leva a sério, dá exemplo para mundo inteiro. Quando abraçamos a ciência, a boa gestão pública e, principalmente, a boa política, a vitória é certa. Agora é aplaudir aqueles que deram início a essa luta, defender as nossas conquistas e chamar a nossa responsabilidade para as próximas vitórias!

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