ADPF 663 expõe falta institucional de vergonha da Presidência da República

A esta altura dos acontecimentos, o mundo inteiro já pôde perceber que a pandemia do coronavírus é também um teste daquilo que os países têm de melhor e pior. Com o Brasil não é diferente.

Nesta semana, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal volta a julgar um pedido do Presidente Bolsonaro para que ele possa começar a governar só por meio de Medidas Provisórias, sem precisar ter as suas leis aprovadas pelo Congresso Nacional. Na ADPF 663, que começou a ser julgada na quinta-feira passada e deve ser resolvida nos próximos dias, o Governo Federal na prática pede pelo retorno do antigo Decreto-Lei da ditadura militar.

O argumento central do Advogado-Geral da União André Mendonça — cada vez mais não mais do que um mero advogado pessoal de Jair Bolsonaro — é que as sessões virtuais do Congresso Nacional (instituídas pelos ACD No. 7/2020 do Senado Federal, o Ato da Mesa No. 118/2020, o Ato da Presidência de 13 de março de 2020 e principalmente o Projeto de Resolução No. 11 da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados) o colocam em estado análogo ao de recesso parlamentar, hipótese na qual, aí sim, o parágrafo 3º do art. 62 da Constituição prevê a suspensão do prazo decadencial das Medidas Provisórias.

O pedido da AGU é em si já muito grave, não só porque sem pé nem cabeça, mas porque demonstração institucional de falta de vergonha na cara. Uma prova da falência do governo federal como gestor de uma crise que é a maior da nossa história recente. Afinal de contas, não se tratava a pandemia do novo coronavírus de mera gripezinha, como o Presidente prometeu para o povo quando foi falar no horário nobre da TV em 25 de março? Por que agora, então, precisa o Presidente da República de poderes excepcionais para cuidar de um resfriadinho?

A pandemia está longe de acabar, mas já muitas lições podem e devem ser tiradas dessa experiência. A primeira e mais importante, por enquanto, é a de que os países que se saem melhor no combate ao coronavírus são democracias — e por serem democracias é que têm alcançado sucesso no enfrentamento desta emergência sanitária. Há já outros países que estão sendo parasitados, não apenas por um coronavírus, mas por uma infecção oportunista de autoritarismo.

Há que se tomar muito cuidado com a retórica da guerra quando abordarmos o esforço de combate à pandemia. De fato, o esforço econômico e social de que o país precisa nesse momento só estamos acostumados a ver é em tempos de guerra mesmo. A metáfora tem o seu sentido. Mas a guerra tem também significados de quem queremos é muita distância. Reconhecer estado de guerra tem significados políticos e jurídicos que, quase sempre, descambam para todo tipo de medidas de exceção, como ilustra esta piada de mal gosto que Bolsonaro tenta contar à Suprema Corte.

Qual vai ser a escolha do Brasil nesse momento? Vamos seguir o caminho de democracias como Alemanha, Singapura, Coreia do Sul ou até mesmo Argentina, ou vamos nos juntar aos ditadores de Hungria, Bielorússia e Turcomenistação no apoio a um vírus?

Na semana passada, a Revista Americas Quarterly publicou artigo visceralmente necessário em um texto curto, mas com simbologia muito forte, escrito por uma coleção dos melhores estadistas que a América Latina produziu em sua história recente. A receita para resistir à crise está aí para ser inventada e aplicada. Só o que precisa é coragem, técnica e responsabilidade com a história. Parafraseando o artigo, a pandemia coloca um desafio sem precedentes na história. E nem o Brasil, nem a América Latina, nem o mundo pode se dar ao luxo de perder tempo com respostas erradas. É a transparência, a ciência e a democracia — e não o populismo, o oportunismo e a demagogia — que vão resolver os nossos problemas nesse tempo de incertezas. 

Uma  crise não pode ser desculpa para o enfraquecimento de uma democracia que foi conquistada a duras penas. Ela tem que servir, na verdade, é para provar que a democracia é o único sistema político capaz de entregar o que o povo precisa.

Que o STF portanto afaste de vez o oportunismo do Presidente da República e, ainda, devolva à sociedade civil os meios de participação social no processo legislativo.

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