Texto originalmente publicado em 11 de janeiro de 2015
Quando a Universidade da Califórnia em Berkeley convida um professor a ocupar a sua cadeira de Sociologia no lugar do próprio Jürgen Habermas, que voltaria a Frankfurt, e esse convite é recusado, fica difícil imaginar o que se passa pela cabeça desse outro professor. Afinal, que outra oportunidade poderia sequer se igualar a esse chamado ao topo da carreira de cientista social?
O que levaria esse professor, já mundialmente celebrado, a se aventurar pelo mundo da política eleitoral, ou, pior, da política eleitoral brasileira, inabalavelmente conservadora? Não à toa, ele jamais se encaixou no estereótipo do político brasileiro: nunca governou estados, nunca teve talento para o palanque populista. O máximo a que chegou, do ponto de vista eleitoral, foi à suplência do Senador Franco Montoro – esse, sim, campeão de votos e principal articulador das “Diretas Já!”.
Nas circunstâncias normais de patrimonialismo e coronelismo da política brasileira, Fernando Henrique Cardoso dificilmente teria sido eleito. Mas numa sucessão incrível de acontecimentos, o “Presidente acidental”, como ele mesmo se define, conquistou duas vitórias eleitorais em primeiro turno porque apresentou ao povo brasileiro uma saída para a miséria e um caminho para a cidadania. Não se trata aqui apenas de uma estabilização monetária (já suficientemente digna de nota na nossa história econômica), mas sobretudo da esperança de que é politicamente possível realizar uma nação na qual todos sejam cidadãos.
Passados mais de 10 anos dessa “loucura republicana”, vivemos hoje o processo de restauração do antigo regime brasileiro. A coalizão regressista conta, é claro, com o próprio governo federal, mas também com as empreiteras, as empresas “campeãs nacionais” e com quase a totalidade das nossas elites políticas tradicionais. Até pouco tempo atrás, o financiamento governamental dos movimentos sociais dava a essa coalizão também o monopólio das ruas.
Apesar da força dessa imensa coalizão e das suas seguidas vitórias eleitorais (legítimas, por óbvio) sobre o projeto de modernização brasileiro, não é possível apagar da história a alternativa democrático-modernizante que PSDB apresentou ao Brasil um dia. Não que eles não tentem, mas à medida em que a inflação volta, a miséria volta a crescer e o desemprego já é vísivel no horizonte, a própria realidade refresca a memória do povo.
Quem acredita num Brasil que não precisa se curvar diante da sua elite burocrática e que não pode tolerar qualquer tipo de desigualdade social tem a obrigação, cada vez maior a partir de agora, de defender o legado desse estadista da Nova República e propor novas ideias para a continuidade das suas reformas. É isso, em síntese, que o governo de Fernando Henrique e o partido que ajudou a criar representam neste país: a possibilidade do Brasil moderno.
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