Carta Aberta ao PSDB de São Paulo: não podemos apoiar Bolsonaro

Carta Aberta endereçada ao Diretório Estadual do PSDB de São Paulo, quando da decisão sobre o seu apoio à então candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência da República. 23 de outubro de 2018.

Senhoras e senhores membros da Comissão Executiva do PSDB paulista,

Lastreados no direito à ampla participação nas decisões partidárias e inspirados na trajetória de abertura ao debate que há decadas embeleza a história da direção tucana em São Paulo, vimos, por meio desta Carta Aberta, ao seio desta reunião, em um dos mais graves momentos da história política do nosso país, para endereçar a questão do nosso vínculo à candidatura Presidencial do Deputado Federal Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal.

Rogamos, com fé e esperança na melhor tradição da social democracia brasileira; e exigimos, com a firmeza e altivez daqueles que conhecem e defendem seus direitos (art. 14 do Estatuto), que nossa voz seja ouvida, considerada, debatida.

O momento é grave. As decisões, profundas. Estamos engajados em uma batalha pela própria alma da nossa nação. Pode o PSDB nos tirar do abismo em que se meteu a vida nacional? 

“Seja por uma questão de seriedade, seja por patriotismo, seja até por conveniência, São Paulo jamais virará suas costas ao Brasil” disse um grande político certa vez. Afirmamos, portanto, que sim: é do PSDB e de São Paulo que haverá de vir a coragem em defesa do equilíbrio e do próprio sentido da jovem democracia brasileira.

Não podemos apoiar Bolsonaro. 

À luz da questão que está na ordem do dia, elencamos aqui, em apertadíssima síntese, alguns dos vários motivos que hoje nos obrigam à corajosa posição de equilíbrio e resignação diante das ameaças que cercam o povo brasileiro:

É de conhecimento amplo, que há quase 20 (vinte) anos o homem que hoje o PSDB-SP cogita apoiar para Presidente defendeu em entrevista a morte e a tortura do Presidente de Honra do Partido, Fernando Henrique Cardoso — não tendo, até hoje, emitido qualquer retratação ou explicação sobre sua criminosa incitação à violência. Com que cara haveremos de pedir ao nosso eleitor que vote naquele que, outrora, propôs o assassinato de um político para quem também já pedimos voto — nosso colega de partido e líder maior? O eleitor nos perdoará por uma tamanha e insensível falta de urbanidade? (art. 15, VI)

Precisamos ter os olhos atentos à história. Ela, impiedosa que é, os têm sobre nós. Para ela, não há perdão, nem mesmo para os ingênuos ou para os embriagados de boa-vontade. Afinal, os oportunistas que conspiraram em 1964 disseram, em seu tempo, que não seria possível prever àquela altura que, mais à frente, o regime que ajudaram a instalar descambaria para o terrorismo de Estado. Se nem mesmo uma tardia lavagem de mãos com as lágrimas da ingenuidade pôde limpar o nome daqueles que derrubaram a democracia em 1964, qual não será, então, o lugar pequeno e asqueroso no qual nos jogaremos se apoiarmos um candidato a Presidente que há décadas confessa que, sim, fechará o Congresso Nacional se eleito for? (art. 15, II)

Novamente, lembramos a todos: em circunstâncias mais nebulosas e que inspiraram com mais vigor o benefício da dúvida, nosso Partido não titubeou: fizemos oposição a Fernando Collor — candidato e Presidente — segurando com a firmeza do nosso caráter o Estado democrático de direito cuja guarda o povo nos confiou.

Da coragem para dizer não ao adesismo e ao fisiologismo, soubemos fazer nosso caminho até o Poder, em estreita aliança com o eleitor, de São Paulo e do Brasil, para promover as mais radicais mudanças civilizatórias da história recente do nosso país. Não por acaso, muitas das quais o candidato que hoje ousamos pensar apoiar se opôs vorazmente, como o Plano Real. (art. 15, II)

Nosso apoio ao fim do país confunde nossos caminhos mais do que nossos velhos adversários. Terá o partido de Mario Covas a vocação para ser a linha-auxiliar de uma legenda de aluguel? Se não, que mirabolante raciocínio nos faz pensar que não o seremos, diante de uma capitulação deste tamanho? Se estivermos com Bolsonaro, poderá o Brasil suportar a longa e autoritária travessia que se descortina no horizonte, contando tão somente com o Partido dos Trabalhadores como oposição à ditadura? 

Terá o PSDB de São Paulo a disposição de associar sua biografia, seus votos, sua ideias e sua honra ao governo de Jair Bolsonaro — e toda a infâmia que com ele virá — apenas para afogar as mágoas pelo seu péssimo desempenho eleitoral em 2018? Onde estaremos e com que cara encararemos o povo, quando Bolsonaro macular de morte as instituições democráticas do nosso país?

Por favor, pedimos: não nos abracemos aos oportunistas, aos corruptos, aos criminosos, aos déspotas e aos traidores. Bolsonaro é a mais concreta ameaça às instituições democráticas brasileiras desde a ditadura militar que derrotamos em 1985, triste episódio histórico de cujas cinzas nos livramos para erguer, pelas mãos de Montoro, Covas, Ulysses e Tancredo um novo pacto constitucional brasileiro.

Finalmente, o óbvio: não precisamos nos despir do que somos para atrair o eleitorado indignado com o sistema político. Somos, afinal, por excelência, o Partido da modernização democrática das nossas instituições nacionais. Afirmamos com convicção: se abraçarmos a coerência e a coragem, e não o adesismo, é perfeitamente possível abrirmos firmes e duradouras pontes com o eleitorado que quer mudança e que hoje deposita em protesto seu voto em Jair Bolsonaro. Sem auto-humilhação.

Se superarmos a ressaca política com que nosso Partido hoje se olha no espelho, dizemos, sem medo de errar: os melhores dias dos tucanos ainda estão por vir.

Honremos o passado e, principalmente, o futuro do nosso Partido.

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