Texto originalmente publicado em agosto de 2013
“Em São Paulo, a primeiro de março de 1828, inaugurou-se solenemente o curso de Ciências Jurídicas e Sociais. Entre 1828 e 1879, no entanto, a Academia de Direito se defrontou com uma série de problemas, desde aqueles relativos às reformas necessárias para a instalação do curso no edifício do convento franciscano – de que resultaram conflitos entre os frades e o tenente-coronel José Arouche de Toledo Rendon, deputado à Assembleia Constituinte e primeiro diretor do curso jurídico – até aqueles referentes ao programa curricular, contratação de professores, matrícula de candidatos, indicação de compêndios, vencimento dos lentes, apontamento de frequência e ritos de avaliação.”
O trecho acima faz parte de “Os aprendizes do poder”, livro do sociólogo Sergio Adorno sobre a intelectualidade brasileira e suas relações com o Estado, tomando como exemplo maior a nossa Faculdade de Direito do Largo São Francisco. No livro, apresentado como tese de doutorado ao Departamento de Sociologia da FFLCH-USP, Adorno analisa os objetivos do ensino e da formação nas Arcadas e descreve aspectos político-pedagógicos que até hoje marcam as Arcadas. Em tempos de discussão sobre reforma da grade e um novo projeto político-pedagógico, pensar que os grandes nomes da São Francisco já enfrentavam problemas burocráticos torna a discussão ainda mais interessante.
Esta edição d’O Pateo circula pelas Arcadas em um mês de provas. Sabemos que a essa época se segue uma aventura: a matrícula. Acompanharemos com expectativa o famigerado JupiterWeb, que aos poucos revelará nossos horários de aula, as pouquíssimas disciplinas optativas a que somos oferecidos e, com alguma sorte, até os professores com quem teremos aula. Essas dificuldades, que com o passar do tempo até adquiriram seu charme e uma boa dose de humor, são a expressão mais óbvia de um problema que prejudica a qualidade do ensino da nossa Faculdade.
Discutir a grade significa discutir dois aspectos que operam em conjunto. De um lado, existe o aspecto essencialmente administrativo, técnico, de gestão. Estamos falando, por exemplo, de um JupiterWeb que seja integrado ao Labeo. A fronteira entre nossos problemas admnistrativos e acadêmicos existe, mas é amplamente permeável, na medida em que uma patologia retroalimenta a otura.
No atual contexto de globalização, a sociedade precisa cada vez mais de uma Academia crítica e que produza, com rigor metodológico, conhecimento relevante para encaminhar o desenvolvimento nacional. Antigamente, o papel da São Francisco era um pouco diferente, isto é, o de formar quadros para a operação do Estado. Por muito tempo, os bacharéis das Arcadas nortearam os rumos do país, mas cada vez mais a preparação meramente burocrática e dogmática é insuficiente. Já podemos ver, há algum tempo, que os economistas e outros cientistas sociais passaram à dianteira do debate nacional, e isso em larga medida se deve à metodologia científica de que suas propostas e debates se revestem. Para manter sua relevância nacional e até recuperar parte do que já foi perdido, não resta para a São Francisco outra alternativa a não ser mudar suas práticas e assumir um compromisso de ciência jurídica, mais do que de técnica dogmática.
O panorama fica ainda mais claro quando olhamos para outras escolas da USP. Atualmente, quando se pensa na FEA ou na FFLCH, se pensa em excelência acadêmica de nível internacional. Por que a mesma impressão não se tem do Largo São Francisco? As respostas para essa pergunta podem ser razoavelmente fáceis, porém as soluções envolvem um pouco mais de complexidade. Em que pese isso, parece ser esse atualmente o maior desafio que se coloca diante de alunos, professores e funcionários da Faculdade de Direito da USP.
É preciso pensar um sistema de gestão eficiente para a Graduação. É preciso pensar meios de fomentar a pesquisa acadêmica de qualidade. É preciso oferecer maior remuneração aos professores. É preciso pensar. É preciso mudar a São Francisco. Esse primeiro passo, de execução realista se acompanhada de grande mobilização política, pode iniciar um movimento maior no sentido de tornar a São Francisco uma escola de relevância internacional no campo da pesquisa jurídica, e de ainda maior relevância nacional no campo da política. Vamos pensar uma nova grande, vamos tentar entender quais são nossas perguntas e nossas intenções. Vamos pensar um espaço físico que não caia aos pedaços e que inspire a busca pelo conhecimento. Vamos pensar a democracia na Universidade. Vamos mudar a SanFran.
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